terça-feira, 5 de agosto de 2008

A estranha ''tranqüilidade'' de São Paulo

Não foram poucos os alertas e piadinhas quando eu anunciei que iria morar na Capital Paulista. Afinal, é o que mostram estatísticas e noticiário, a cidade é um dos centros mais violentos do país. O PCC surgiu aqui, e há pouco mais de um ano praticou ATENTADOS que chegaram inclusive a esvaziar as ruas da cidade mais agitada do Brasil em uma noite...No entanto, como tudo em São Paulo, a criminalidade daqui não age âs abertas. Parece quase invisível. Explico-me. Enquanto no Rio os criminosos costumam agir de modo espetacular, de dia e de noite, fechando túneis e vias públicas, com grande estardalhaço, aqui o crime age como formiguinha. Não presenciei- e nem pretendo, diga-se de passagem- nenhuma cena violenta em todos os meus anos como fiel visitante( desde 1982)e nem nos quase 2 anos como morador. O noticiário já registrou: assalto a banco na Avenida Ibirapuera( onde já estive diversas vezes)deixa menina tetraplégica, sujeito saca dinheiro em agência bancária na Avenida Paulista( perto de onde moro e onde passo todos os dias)e é seguido por marginais e baleado em estação do metrô, troca de tiros perto da Praça da Sé( onde vou pelo menos uma vez por semana como freqüentador de uma livraria jurídica das imediações), ''arrastões'' cotidianos em prédios de luxo, assalto a um ''flat'' nas imediações da Avenida Paulista leva à morte de um dos criminosos e a um cerco com mais de 20 viaturas da Polícia que interditaram prontamente todo um quarteirão, seqüestros relâmpago, etc. etc. etc. Talvez influenciados por todo este clima de medo e violência, quando fazem seus programas externos os paulistanos costumam preferir lugares fechados como cavernas: bares e restaurantes tem mesinhas na calçada, prontamente dispensadas pela maior parte dos fregueses...E dentro, mesmo com áreas mais arejadas junto a janelas, o pessoal costuma sentar nos lugares mais distantes, e de costas para a rua...Talvez, mais do que por medo, seja este um costume tipicamente cultural desta localidade. Afinal, em pleno Rio de Janeiro, os cariocas dão grande importância à construção de belas varandas, onde possam ver todos e ser vistos, em um nível pouco acima do da rua. Este é o modelo, que aprecio, em Ipanema e Leblon. Em plena ''zona de guerra'', as pessoas tomam o seu café da manhã de domingo em belos e abertos cafés e padarias, com mesinhas por toda a calçada...Talvez todas estas pequenas diferenças sejam causadas mesmo por fatores culturais: o carioca é extrovertido, piadista, bem-humorado, bom de prosa, paquerador. Já o paulistano é mais fechado, meio ''antipático'' em um primeiro contato, ''reclamão'', prefere cores escuras e discretas, e aprecia lugares fechados e ''seguros''. O próprio teatro reflete estas diferenças apontadas: o teatro ''mainstream'' do Rio de Janeiro abusa de piadas e alusões ao sexo( claro que toda regra tem exceção...), enquanto peças de teatro em São Paulo tendem à seriedade,melancolia e tristeza ( com as exceções ''engraçadinhas'' de sempre...). O paulistano é ''low profile'' por natureza. Por fatores culturais ou por simples estratégia de defesa, ele camufla suas mazelas e é capaz de passar incólume pelas maiores desgraças. Vejam os poluídos rios Tietê e Pinheiros. Apartamentos, prédios comerciais e shoppings de luxo são construídos nas margens de dois rios que são verdadeiras ''latrinas a céu aberto''. Imagino que os felizes proprietários não possam se dar ao prazer- como eu faria se estivesse no lugar deles- de deitar-se em confortáveis redes instaladas em suas varandas. O cheiro infernal não deixaria...As duas ''latrinas'' estão para a cidade como estariam dois banheiros fedidos em uma bela residência. Você convida seus amigos, e eles entram naquela bela casa: com ''home theater'', TV de Plasma último tipo, obras de arte instaladas nas paredes, ''carrão'' importado na garagem mas, pasmem, ao entrarmos nos chiques sanitários- no qual empregou-se os materiais mais caros e luxuosos- sentimos um ''fedor dos diabos''...Esta é a espantosa ''tranqüilidade'' de São Paulo: ergue-se o shopping mais luxuoso do país, ao lado de uma favela...Percorre-se de carro aquelas enormes avenidas instaladas na margem dos dois rios, repletas de prédios belos e ''chiques'', enquanto sentimos um fedor danado...Passeamos por um bairro arborizado e ''tranqüilo'' onde certamente boa parte dos prédios já foi assaltada...São Paulo é beleza e medo juntos, não dá para separar uma coisa da outra. Certamente não esgotaremos o tema nesta breve crônica. Esta é uma megalópole que requer tratados sociológicos para melhor compreendê-la. Gostamos daqui, e não sentimos medo. Talvez sejamos como todos aqueles exploradores que gostam de escalar o Everest, por mais perigoso que seja. Quanto maior o risco, maior será a recompensa( não apenas no sentido monetário da coisa). Enquanto digitamos estas linhas helicópteros e aviões circulam sobre nossas cabeças, o metrô transporta cerca de 3 milhões de passageiros por dia, 6 milhões de veículos trafegam pelas nossas ruas, e até este momento não foi registrado nenhum acidente no dia de hoje. Isto é São Paulo: um misto de medo, e esperança...