segunda-feira, 30 de junho de 2008

O ''grande'' e o ''pequeno''

É interessante morar na grande metrópole. E um dos fatos mais interessantes é constar que, no ''grande'' as ''pequenas'' coisas parecem ter mais espaço, elas coexistem com uma intrigante harmonia. Peguemos uma localidade menor, como contraste. Uma cidade menor tem os seus regionalismos. Tem o seu sotaque, a sua comida típica, os seus times de futebol. O que não faz parte dos ''costumes típicos'' locais é visto como ''estranho''. Quanto mais forte o ''local'', menor será o ''estrangeiro/forasteiro/invasor''. Só a mídia consegue superar as rivalidades locais, transcender o ''local'' para mostrar outras realidades. Na grande metrópole há um ''Centro de Tradições Nordestinas''( aliás, esta é uma das maiores comunidades da cidade). Assim como há um bairro inteiro habitado por orientais, com comidas típicas orientais, e com ruas decoradas à moda oriental. Assim como há localidades típicas de judeus, muçulmanos, italianos, gregos, portugueses. O ''pequeno'', as ''minorias'' aqui não tem medo de mostrar-se, assumir-se como tal, defender a própria identidade. Nem isto é visto como ''ameaça'' pelos ''locais''. São Paulo tem o seu regionalismo, isto é certo. Paulistanos ''quatrocentões'' tem os seus hábitos, os seus centros de compra, os seus restaurantes prediletos. Paulistanos nem tão aquinhoados pela fortuna também tem as suas tradições. A TV mostra aos domingos os jogos das equipes locais- Portuguesa, São Paulo, Corínthians, Palmeiras. O paulistano tem um sotaque típico. Tem comidas típicas. Come feijoada- estranhamente- às QUARTAS-FEIRAS e sábados...Não sei qual é a razão desta feijoada às quartas...A cidade, por vezes, se assemelha a um gigantesco escritório. Veste-se como em um escritório, conta piadinhas de escritório, anda pelas ruas em rodinhas de escritório. Porém, mesmo em meio a esta gigantesca multidão de executivos que toma a Avenida Paulista de segunda a sexta-feira, é possível enxergar aqui e ali figuras exóticas. Ontem vi duas ''gringas'' sentadas em um banco, felizes e com as pernas de fora. Volta e meia, nos mais diversos lugares, ouvimos pessoas falando chinês- aliás, com freqüência crescente mesmo- japonês, alemão, inglês, italiano, francês. São Paulo é um MUNDO em si. A materialização de uma utopia em que, como em nenhuma outra parte do planeta, judeus e muçulmanos conseguem conviver em paz. Uma miscelânea de naturais de todos os estados e dos mais diversos países em que todos são livres para manifestar a sua própria identidade, e nem por isto os costumes típicos ''locais'' são enfraquecidos. Talvez se dê justamente o contrário...E o que seria um costume ''puro'' local, em uma cidade em que uma das maiores tradições- a pizza- vem da Itália?

A ''Lei Seca'' no trânsito, e a ''alma nacional''

Não costumo tratar de temas políticos neste blog. Nos últimos tempos, estes assuntos tem me provocado um profundo tédio. Pulo as páginas políticas nos jornais. Quando ouço a chamada ''direto de Brasília'', mudo o canal de TV. Isto não quer dizer que não tenha as minhas opiniões políticas, ou que não vá votar este ano. Isto não quer dizer que jamais me pronunciarei sobre o tema, em quaisquer circunstâncias. Muito embora seja muito mais animador ''escolher'' um candidato a Presidente dos Estados Unidos, este ano, do que qualquer candidato a Prefeito ou Vereador- com as devidas exceções- no Brasil...Mas este não é um ''post'' sobre política( com p minúsculo mesmo). É sobre um tema público. Sobre um tema que todos acabamos discutindo. A chamada ''Lei Seca'', as novas punições aos motoristas que dirigirem alcoolizados. Lembremos, em primeiro lugar, que nos últimos tempos multiplicaram-se os casos de acidentes de trânsito envolvendo motoristas bêbados. Em função disto, houve um verdadeiro ''clamor popular'' por leis mais severas. Agora, que temos a lei, e as punições mais severas, embora não suficientemente severas, estamos nos deparando com um ''clamor'' no sentido inverso. Fala-se em ''inconstitucionalidade'' da lei. A imprensa mostra uma grande quantidade de motoristas punidos. Note-se que o comportamento hesitante e ''ciclotímico'' é algo típico do brasileiro. E que, deste ponto em diante, propositadamente abandonaremos as observações típicas referentes aos ''brasileiros''- ''eles'', ''os outros''- e adotaremos o NÓS. Isto é forte. Outro dia estava falando nos paulistanos, e escolhi falar em ''nós ,paulistanos''. Estava falando das escolhas políticas dos munícipes. ''Nós, paulistanos'', votamos nos políticos que gastaram bilhões em obras viárias que levaram a este trãnsito infernal de hoje...Que não investiram no transporte público...Eu não morava aqui quando tais políticos foram eleitos. Se morasse, não votaria neles. Porém, como cidadão desta cidade, as escolhas políticas erradas me afetam. Eu não estou livre delas. Sou também responsável, indireto, por elas. Assim, ''nós, paulistanos''...Brasileiros, argentinos, italianos, todos tem(os) um ponto em comum. Todos tem(os) opinião sobre tudo. E estas opiniões giram quase sempre sobre o que ''deveria'' ser feito para melhorar algo. Falamos sobre a ''sujeira dos políticos'' como se fosse algo que nos afetasse apenas indiretamente. E como se estes políticos surgissem do nada. ''Ninguém'' os escolheu. ''Ninguém'' votou neles. Como que por ''milagre'', eles se apossaram dos cargos de vereador, prefeito, governador, presidente da república... Do mesmo modo, em tese, apoiamos a tal ''Lei Seca''. ''Apoiamos'', no que não nos atinja. ''É preciso parar a carnificina nas estradas brasileiras'', clamamos. O complemento não dito mas subentendido é ''desde que não dependa de mim''. Desde que ''eu'' não tenha de pagar uma multa de mil reais além de ter a carteira suspensa por um ano ''só'' por ter tomado uma ''pequena dose'' da minha cerveja predileta. A ''Lei Seca'' aqui, como quase todas as leis, é aplicável aos ''outros''. Os ''outros'' não sabem dirigir. Os ''outros'' estão bebendo demais. ''É correto aplicar multas aos que falam no celular enquanto estão dirigindo, mas eu estava 'apenas' falando um pouquinho''...E dá-lhe ''chiadeira'', dá-lhe ''choradinha'', dá-lhe tentativa de subornar os guardas, dá-lhe reclamação contra um ''sistema tão injusto''. E também uma tremenda inveja daquelas nações ''civilizadas de Primeiro Mundo'', onde as pessoas não atiram lixo nas ruas, param os carros para os pedestres atravessarem nas faixas, respeitam as leis de trânsito. O brasileiro- ou melhor, NÓS, brasileiros- é (somos)digno(s) de inspirar um livro como ''O Médico e o Monstro''. Porém, nas nossas cabeças, somos todos ''médicos''. ''Monstros são os outros''...''Alguém precisa fazer alguma coisa'', bradamos em coro, ''desde que não sejamos nós''( pensamos em nosso íntimo). Como pode uma ''Lei Seca'' dar certo em um país em que ninguém pretende parar de beber? O resultado só poderia ser este, o coro crescente contra o ''rigor'' da Lei que outrora defendíamos...''É complicado'', diremos nós, os paulistanos...Aqui, bradamos contra o trânsito infernal, que nos sufoca. ''Alguém tem de fazer alguma coisa''. Que coisa? Aumentar o rodízio, que desrespeitamos usando o carro ''extra'' da família? Cobrar um pedágio urbano, que ''driblaremos'' pegando uma rota alternativa? Ter automóvel, aqui, é mais do que uma necessidade. É símbolo de ''status'', nos define como pessoa. ''Como seria bom, pensamos, se todos os demais motoristas deixassem seus carros em casa e usassem mais o transporte público...''. ''Por que ninguém faz nada a nosso favor?''