sábado, 28 de junho de 2008

Não sobre o amor

Talvez pela vontade de contradizer-me( já que em meu último post eu havia admitido não ir ao teatro), ou movido por um comentário lido no jornal ''Gazeta do Povo'', de Curitiba, em que era mencionada a peça com a adicional informação de que ''não havia previsão de montagem na capital paranaense'', ontem eu fui ao teatro. Em um horário, certamente motivado pelo local- no centro da cidade, no CCBB-pouco usual. 19h30m. Fui de metrô, no final da tarde. Mesmo chegando com meia hora de antecedência, fui informado de que só havia ''um lugar na platéia''. O resto, só no balcão. Como o balcão parecia ser a sobra, e não havia disputa pelo mesmo, preferi, claro, este ''único lugar na platéia''. Mais afastado do palco, embora o teatro seja bem pequeno. Surpreso fiquei quando, na hora do início da peça, vi vários lugares vazios na platéia...O que será isto? Será que as pessoas pagam e não vão, ou reservam e não vão? A peça não é fácil. É estrelada por Leonardo Medeiros, um ator de constante atuação em filmes brasileiros pouco comerciais. O ''amor'' do título, uma estória em que o apaixonado é proibido por sua amada de fazer menções ao amor em suas cartas para ela, talvez atraia alguns incautos mais apressados. O tom é soturno. As cartas do apaixonado, proibido de falar sobre o amor, tratam de diversos temas em que a constante é o exílio. Ele saiu da Rússia para ir para a Europa. Mas o exílio, aqui, é muito mais do que físico: o personagem, Shklovsky, deixa escapar em um momento que ''um estrangeiro é aquele cujo amor está em outro lugar''. Esta é uma peça sobre o amor em que não há arroubos românticos. É uma peça sobre o amor não correspondido, sobre um amor ''virtual''...Enquanto o escritor se esforça para captar a atenção de sua amada tratando de temas que, indiretamente, dão prova de todo o seu amor, ela replica com cartas banais. Ele fala em amor, ela replica que está interessada por um inglês ''bonitão''...O máximo que faz é uma revelação sobre...sua ama de leite! E ainda o critica, ao afirmar que ele dá muita ênfase ao ''quanto'' a ama, ''e no terceiro quanto seguido ela já não aguenta mais...''. O amor dele mais parece aquele trágico ''amor romântico'' dos séculos XVIII e XIX, um amor idealizado, racional( afinal parte de um ''intelectual''), não realizado no mundo físico. Por ele, seguindo os passos do personagem Werther, os apaixonados se matavam, talvez em um anseio de realizar-se amorosamente ''do outro lado''...A peça é pesada, as outras pessoas se contorcem em suas cadeiras, imagino que vários ansiando desesperadamente pelo fim da exibição...Interessante o cenário. em que uma cama e uma mesa são presas no alto das paredes do quarto. E os personagens tem de escalar aquilo que, por incrível que pareça, pelo ângulo que enxergamos parece crível...A montagem também tem vídeos, no melhor estilo do teatro ''moderninho'', e legendas...Enfim, como já afirmei acima, a peça não é ''fácil''. É repleta de metáforas. A própria Alyia, objeto de desejo do escritor, é uma delas. Como informa-nos o programa da montagem, ''a mulher que nega o seu amor é também a impossibilidade de voltar para casa, é a juventude e autoconfiança perdida, é a distância do que somos autenticamente, é a prioridade de olhar para o futuro quando nostos( a volta para casa) + algos ( dor )nos adoece". Alyia, descobrimos, não é ''real''. É quase impossível imaginar uma montagem destas no Rio de Janeiro, onde abundam as peças ''fáceis'' e ''engraçadinhas'' com atores globais ( nada contra a Cidade Maravilhosa, mas esta é uma das piores características de suas produções artísticas...). De todo modo, é incômodo refletir sobre as dores do amor em uma sexta-feira à noite, e mesmo em São Paulo poucos parecem dispostos a fazê-lo...A peça é subsidiada pelo Banco do Brasil- motivo pelo qual os ingressos são vendidos por módicos 15 reais. Se fosse um filme, imagino que ficaria umas duas semanas em cartaz, se os blockbusters permitissem...